O tema aposentadoria é tratado dentro da perspectiva técnica da chamada previdência social, sendo esta, espécie do gênero seguridade social, em conjunto com a assistência social e saúde. Essa tríade possui guarida constitucional como previsto no art. 194, caput, da Constituição da República (CRFB).
No que tange a previdência social, sublinha-se que a mesma encontra proteção no ordenamento jurídico brasileiro, precipuamente nos seguintes dispositivos legais: art. 194 e seguintes da CRFB, Lei 8212/91 (lei de custeio da seguridade social), Lei 8213/91 (lei dos benefícios da previdência social). Em relação a previdência social, destaca-se as suas principais características (art. 201, caput, da CRFB), dentre as quais sua obrigatoriedade e o seu caráter contributivo. A respeito da obrigatoriedade, deve ser salientado que a própria lei 8213/91 enuncia os segurados da previdência social cuja parcela contributiva é obrigatória, sendo esses classificados, segundo o art. 11, como: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso, e segurado especial.
Nessa toada, sublinha-se que esses segurados obrigatórios, dentre os benefícios de direito, previstos no art. 18, incisos da lei 8213/91 (LBPS), possuem a possibilidade de obter a aposentadoria, nas seguintes modalidades via de regra:
Aposentadoria por idade (art. 48 da LBPS): após cumprida a carência de 180 contribuições mensais (art. 25, inciso II, da lei 8213/91) e completada a idade de 65 anos no caso de homem, e 60 anos se mulher;
Aposentadoria por tempo de contribuição (art. 52 da LBPS): após cumprida a carência de 180 contribuições mensais (art. 25, inciso II, da lei 8213/91) e tendo 30 anos de tempo de contribuição se homem, e 25 anos no caso da mulher. Nessa hipótese haverá ainda a incidência do fator previdenciário, que apenas será afastado se o segurado, seja homem ou mulher, obtiver na soma tempo do contribuição mais idade (na data do requerimento) resultado igual a 96 e 86 respectivamente (conforme art. 29-C da lei de benefícios incluído pela lei 13183/15). Importante destacar ainda que o resultado 96 / 86 será progressivo com o passar dos anos, chegando, em 31/12/2026, ao total de 100 para homens / 90 para mulheres;
Aposentadoria por invalidez (art. 42 caput da LBPS): após cumprida a carência de 12 contribuições mensais (art. 25, inciso I da LBPS), será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Sendo esta dependente de exame médico-pericial a cargo da Previdência Social (parágrafo 1º do art. 42);
Por fim, sendo objeto principal deste estudo, existe a modalidade de aposentadoria especial, conforme art. 57 da lei de benefícios (LBPS), em cujos termos é devida ao segurado que laborou sujeito a condições prejudiciais à saúde ou integridade física, durante 15, 20, ou 25 anos, nos termos de lei específica.
Convém destacar que na hipótese dessa modalidade não há a incidência de fator previdenciário, sendo portanto a renda mensal inicial do segurado aquela equivalente a 100% do salário-de-benefício, conforme o art. 57, parágrafo 1º da lei 8213/91. Salienta-se que tal percentual não deve ser confundido com o recebimento de 100% da verba salarial ao tempo do requerimento da aposentadoria, pois a lei por disposição expressa aduz que a parcela representa a integralidade (100%) da média dos maiores salários correspondente a 80% do período contributivo (art. 29, inciso II, da Lei 8213/91).
Inicialmente, deve ser destacado que embora o direito à aposentadoria seja devido tanto aos trabalhadores em geral, regidos pelo regime geral da previdência social, como aos agentes públicos, regidos pelo regime próprio, essa exposição terá como objeto apenas a aposentadoria dos agentes públicos. Tal opção acadêmica se perfaz diante da lacuna legislativa referente à aposentadoria especial de servidores públicos.
No que tange aos servidores públicos, a Constituição da República, nos termos do art. 40, caput, garante aqueles, titulares de cargo efetivo, ou seja, investidos no cargo através de concurso com provas ou provas e títulos (art. 37, II da CRFB), o direito ao regime previdenciário. Sendo assim, aplica-se ao servidor público por expressa disposição constitucional (art., 40, incisos I, II, III) as modalidades de aposentadoria: por invalidez, a compulsória com atingimento de idade específica, e, por fim, a aposentadoria voluntária, observadas as seguintes condições: a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
Por conseguinte, deve ser destacado que a outra modalidade de aposentadoria, qual seja, a aposentadoria especial, devida aos segurados do regime geral da previdência social, conforme dispõe o art. 57 da lei 8213/91, e fundamentada em parágrafo anterior, tem sido aceita pela jurisprudência como extensível aos servidores públicos.
Nessa esteira, merece destaque que a Constituição da República já prevê a aposentadoria especial ao servidor público de cargo efetivo, como exceção ao princípio da isonomia em sede previdenciária, art. 40, § 4º, inciso III, in verbis:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Tal modalidade previdenciária, muito embora seja devida aos segurados da lei 8213/91, tem sido estendida aos servidores públicos, por consectário lógico, submetidos ao regime próprio da previdência social. Esse reconhecimento jurisprudencial decorre do omissão legislativa contumaz. Sendo certo, que diante do direito supracitado, e expressamente trazido na Constituição, dever-se-ia garantir na medida do fundamento constitucional que o mesmo pudesse ser usufruído pelos servidores públicos.
O direito à aposentadoria especial foi concedido pelo legislador ao servidor público a partir da emenda constitucional nº47/2005, sendo que há mais de 10 anos não existe lei específica para regulamentar tal benesse. A inércia legislativa protraída no tempo, viola frontalmente o direito à aposentadoria especial, uma vez que a norma prevista no art. 40, § 4º, inciso III, classifica-se como de eficácia limitada, na visão de José Afonso da Silva, também conhecida pela doutrina norte-americana como non-self autoexecuting provision (norma não autoexecutável). Sendo assim, não poderia a Administração Pública conceder ao servidor público requerente o direito à aposentadoria especial por carência legal, e diante do fato de que tais entes federativos estão vinculados ao princípio da legalidade.
Nos últimos anos, o Poder Judiciário tem sido demandado diante do indeferimento dos requerimentos dos servidores públicos objetivando a aposentadoria especial. De modo que esses inúmeros conflitos, ensejaram sucessivas ações na Corte Suprema por meio de Mandados de Injunção. Sendo que, após o julgamento no ano de 2007, do Mandado de Injunção de nº 721-7/DF (relatoria do Ministro Marco Aurélio), concedente da aposentadoria especial a servidor público nos termos do art. 57 da Lei 8213/91, seguido por outras ações constitucionais da mesma natureza, foi editado a Instrução Normativa nº 01 do Secretário da Politicas de Previdência Social em 22 de julho de 2010 estabelecendo parâmetros para concessão da aposentadoria especial do servidor público.
Após isso, foi editada a Orientação Normativa nº 10, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)/SRH, também em 2010, estabelecendo instrução aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC (Sistema de Pessoal Civil da União) quanto à concessão de aposentadoria especial apenas aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção, a partir de uma interpretação restritiva do art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
Ato contínuo, decorridos 4 anos da Orientação Normativa nº 10 do MPOG, o Supremo Tribunal Federal, após inúmeras ações constitucionais impetradas, resolve editar por unanimidade a súmula vinculante número 33/2014, com o objetivo de dirimir conflitos dessa natureza, vinculando por conseguinte inclusive a própria Administração Pública, como segue:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Convém salientar que diante do verbete sumular não mais compete à administração pública conceder a aposentadoria especial aos servidores públicos que obtiverem o crivo judicial através de oportuno decisum, mas adequar as regras de aposentadoria especial do regime geral aos servidores públicos, expressão que se lê: “no que couber”. Para tal os entes federativos necessitam apenas investigar através de procedimento específico se o servidor, ora requerente dessa modalidade de aposentadoria, cumpre os critérios para o deferimento, previstos no art. 57 da lei 8213/91, e abaixo destacados:
– Tiver trabalhado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física;
– Pelo Tempo de 15, 20, ou 25 anos;
– Provar exposição ao agente insalutífero (químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física).
Em relação as atividades laborais alcançadas pela aposentadoria especial, o INSS reconhece apenas as insalubres. Entretanto, a jurisprudência considera como especial a atividade exercida em caráter de insalubridade, periculosidade e penosidade. Para melhor elucidar esses termos, segue abaixo algumas definições:
Sobre o termo insalubridade, destaca-se o art. 189 da CLT:
Art.189-Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Sobre a periculosidade, a lei 12740/12:
Art. 193 São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
Em relação à penosidade, embora previsão constitucional (art. 7º, inciso XXIII), a lei não traz expressa definição, devendo portanto socorrer-se da doutrina, como se segue:
Pode ser considerada penosa a atividade produtora de desgaste no organismo, de ordem física ou psicológica, em razão de repetição dos movimentos, condições agravantes, pressões e tensões próximas do indivíduo. (MARTINEZ, Wladimir Novaes, 2006).
Além disso, cumpre elucidar nesse trabalho quais instrumentos dispõe o servidor público para comprovar o exercício de atividade sob as condições anteriormente citadas afim de obtenção da aposentadoria especial:
– Apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP): Trata-se do histórico-laboral do trabalhador, a partir de modelo instituído pelo INSS, emitido pelo ente público, com base em laudo técnico específico das condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista, e que, entre outras informações, deve conter registros ambientais, resultados de monitoração biológica e dados administrativos (art. 58, parágrafo 1º da lei 8213/91).
– Demonstração do Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT): É um documento conclusivo o qual possui a finalidade de documentar a existência ou não de agentes nocivos presentes no ambiente laboral, além de constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo ente público.
Por fim, devem ser destacadas as vantagens para o servidor público que exerça atividades, sob condição de insalubridade, periculosidade ou penosidade, e cumpra os requisitos legais (art. 40, parágrafo 4º, inciso III c/c art. 57 da lei 8213/91) em requerer junto à Administração Pública a aposentadoria em caráter especial, sendo essas:
– Aposentadoria com tempo de contribuição reduzido, e em regra de 25 anos (maioria dos cargos públicos com insalubridade);
– Não incidência do fator previdenciário, logo para aposentadoria especial será contabilizado 100% do valor da média dos 80% maiores salários, do período de atividade no cargo público em condição insalubre (por exemplo).
Seguem abaixo links para consulta de modelo de PPP:
https://www.inss.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/IN85PRESINSSanexoI_PPP.pdf
Assista também este vídeo sobre o caso de aposentadoria especial julgado pelo STF: